Embora o
título do texto fale sobre a experiência do livro, aqui vou falar da
minha experiência pessoal de possuir livros. A razão do título estar assim se refere
ao majestoso ato do Livro. Este ato é um compósito de emoções que
trazem à tona tudo que se refere, emocionalmente, à leitura, que nesta reflexão
começa pela aquisição desta peça esplendorosa do conhecimento chamada livro.
Como quase
toda reflexão pessoal possui narrativa, esta não seria diferente. É bem verdade
a que a voz deste sujeito está cheia de saudosismo e elevação. Sendo épico, mas
com um tom menos elevando quando fala de suas experiências leitoras. Pois aí
vem a nossa história:
Já faz muito
tempo, mas na memória este acontecimento é como se tivesse acontecido hoje pela
manhã. A memória, por mais falha que seja em alguns momentos, é sempre
eficiente quando algo nos marca profundamente. E este acontecimento, sem sombra
de dúvidas, foi imprescindível para que eu possa ser o que sou hoje, ter o que
tenho e pensar o que penso. Depois que nós começamos a refletir sobre nossas
experiências, percebemos que cada momento da vida é de importância extrema para
a nossa constituição como sujeito. Todo aquele discurso sobre a valorização das
coisas pequenas é verdade. São os elementos de base que sustentam o grande
homem. Peças pequenas, de passível vivência, de plena insignificância
momentânea, mas com força destruidora, se for o caso. No nosso caso, a força
daquele momento é construtiva, positiva, no entanto, simples. Deveria eu ter
meus 09 anos e viajara ao Recife para visitar os familiares. Lembro bem da
casa. Era branca, situada em uma avenida muito movimentada. Possuía um grande
quintal, três quartos e tudo mais que faz parte da mais comum casa. Mas o
segundo quarto guardava um grande tesouro, algo que para mim era inacessível.
Entrar naquele quarto era para mim um momento de satisfação. E eu entrava, mas
saia do lugar incomodado por não possuir aquilo, naquela complexidade, que para
uma criança era muito complexo, no entanto, muito chamativo para mim, mesmo sem
muito entender do mundo e das coisas. Era o quarto do Téo. E o que havia nele?
Sua biblioteca. Simples. Foram aqueles livros e o olhar de um apaixonado pela
leitura que me fizeram despertar. Não me lembro do que dizia, mas lembro de
alguns livros de capa dura vermelha, algo parecido com uma Barsa. Não me lembro
de ter aberto aqueles livros, mas eles tinham chamado minha atenção. E aí
surgiu o vil sentimento: eu precisava de uma biblioteca. Para quê, naquele
momento, eu não sabia bem o porquê, todavia, deveria de ter uma biblioteca num futuro bem próximo.
Sempre fui
devoto da leitura. Minha mais remota experiência com esse mundo, do que eu
tenho lembrança, é de que logo após fui alfabetizado lia tudo que me
aparecesse. As viagens para a capital era uma grande festa. Ler aqueles outdoors
e depois ser aplaudido por isso sempre foi rotina após os primeiros anos de
alfabetizado. Esse também foi o primeiro incentivo que meus pais me deram para
hoje me tornar um leitor. E nesse sentido, o incentivo é arma mais poderosa na
formação de leitores. Felizmente ou infelizmente — tudo depende da finalidade —
o ser humano é vaidoso. Ele precisa de reconhecimento para continuar. Apenas as almas mais sensatas não
querem o reconhecimento imediato e instantâneo. Mas como estou em processo
evolutivo, como diriam meus amigos espíritas, sou um humano normal dotado de
cobiça. E a cobiça do conhecer mundos através da leitura sempre foi uma ótima
motivação para se seguir em frente em busca do Mais.
Algo significativo nesta minha
formação foi o contato com as bibliotecas desde cedo. A primeira biblioteca que
frequentei foi, na verdade era apenas uma estante, a da secretaria municipal de
educação, daqui da minha cidade. Uma senhora chamada Ceci, funcionária do
local, anotava na sua agenda os livros que eu tomava emprestado. E aí, nessa
época, tive um grande mergulho no mundo do Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, Ana
Maria Machado, e tantos outros...
A minha segunda biblioteca foi a
do sindicato rural. Ali tive belas experiências. Foi lá que, pela primeira vez,
conheci, e pude apalpar, uma enciclopédia. Aquilo era o maior tesouro que uma
criança poderia conhecer. Como eu não podia comprar uma, ficava tirando cópias
de algumas páginas para um certo futuro ter a minha própria enciclopédia. Cada
imagem, cada termo, era como se o mundo estivesse se desnudado. E eu, mesmo sem
muito suporte, estava compreendendo a complexidade dele. Assiduamente, toda
semana, era um livro novo. As vezes até dois. O cheiro de local fechado ainda ecoa
na minha imaginação, como se o primeiro momento de visita àquele local
ocorresse agora.
Sempre fui, também, atrevido, queria ler
coisa de gente grande. Me lembro que com uns dez anos de idade, me deparei
lendo os sermões de Padre Antônio Vieira. Vou confessar uma coisa: peguei
aquele livro só para ver a reação das professoras. Todo mundo ficou
impressionado com aquilo. Como um menino que ainda estava no ensino fundamental
se dava ao luxo de ler Vieira? Polêmicas à parte, li apenas um dos sermões
contido no livro. Não me lembro bem qual era o tema dele, mas com exatidão, me
lembro das expressões em latim. Eu, pobre mortal, estava perplexo por não saber
o significado daquilo. Embora isso fosse já em pleno século XXI, na minha
cidade não existia internet, nem muito menos um dicionário de latim. Mas valeu
a experiência.
Minha terceira biblioteca foi a
da própria escola. Infelizmente, de surgimento tardio, mas de importante
significação. O PNBE, Programa Nacional Biblioteca da Escola, tinha enviado
muitos livros à nossa escola. Daí surgiu a necessidade de desapropriar um
espaço usado para depósito dando abrigo aos novos livros. Eu, como um dos
amantes mais piegas deles, me ofereci como voluntário para a organização e
catalogação do acervo. Foi nesse tempo que li Vidas Secas, Dom Casmurro,
Iracema, e tantos outros. Foi um período de devoção aos clássicos nacionais.
No Ensino Médio, a frequência às
bibliotecas se reduziram. Mas a leitura não. Neste período comecei a tomar
gosto pela literatura popular. Li e comprei muito cordel. Chegou um determinado
tempo que eu não consegui ler outra coisa. De tanto ler cordel fiquei com a
cognição apurada pela estrutura do verso, ao ponto de quando lia uma narrativa
achava estranho, pois não era o mesmo ritmo.
Neste meu relato muitas coisas
ficaram de fora. Existiram momentos e momentos importantes na minha formação
inicial da leitura. Por que não citar as aulas do Telecurso 2000? Foi lá que
tive muitos direcionamentos de leitura. A escola não tem uma parte muito
significativa na minha formação. A leitura para a sala de aula sempre foi muito
enfadonha, cheia de porquês, às vezes sem nenhum sentido para mim. Era um saco
ter de ler aquele livro. Mas quando a iniciativa era nossa, tive bastante êxito.
Minha caminhada continuou e ainda
continua. O universo dos livros ainda é o meu fraco. Não posso ainda dizer que
tenho uma biblioteca, mas sim, posso afirmar que ela está em construção, assim
como, eu ainda, sempre vou estar em processo. Pois os livros nos abrem feridas
que são curadas por outros livros que abrem novas feridas. Um círculo vicioso,
um eterno processo. Um dia em que o livro nos deixar de chagar é porque o livro
não está mais cumprindo sua missão ou nós não estamos cumprindo nossa missão de
leitor, ou seja, a de se deixar marcar. Uma boa leitura sempre deixa marcas. As
que não deixaram simplesmente foram ou perca de tempo ou simples reconhecimento
de letras vazias.
Olavo Barreto.
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