sábado, 31 de outubro de 2020

Emulação de Cecília

O vento voa,
a noite toda se atordoa,
a folha cai.

Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?¹

Essa folha sou eu.
Caída entre tantas outras
nesse mar noturno,
cujas ondas, nebulosas,
me arrastam solitária,
para o lugar que já se foi.

Essa folha sou eu.
Cândida pétala do azul esverdeado;
resto de magia
para um amor que nunca houve,
para um amor que nunca teve,
para um amor que nunca ousou
em se chamar de amor. 

Essa folha sou eu.
Claustro do meu sono,
etéreo sonho, natimorto. 

Essa folha sou eu.
Cálida, seca, sem mim,
entre tantas outras,
nessa noite luminosa
em que sou arrastada,
conduzida e amordaçada,
findando no calabouço
que me perdeu. 

¹ Os versos compõem o poema "Epigrama n.º 09", em Viagem, de Cecília Meireles.

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